sexta-feira, 24 de junho de 2011

PREMISSA (Do livro "Teoria Sistêmica Ecológica de Enfermagem" - 2a. Edição)


PREMISSA

                                                                      Rosalda Paim
                  Vivemos em uma época em que ocorre uma verdadeira explosão ou avanços em todos os ramos do conhecimento. Daí, surge a necessidade de conhecimento especializado, de vez que todo campo de estudo torna-se, dia a dia, mais complexo. Isto tem óbvias vantagens. Entretanto, isto torna a cultura de cada indivíduo, dia a dia, mais parcializante, conduzindo-o a uma percepção casuística da realidade e, comprometendo sua visão gestáltica, sistêmica, holística, global ou de conjunto.

                 A abordagem do homem não constitui exceção, focalizado como objeto do conhecimento. Disseca-se, cada vez mais, sua estrutura anatômica, desenvolve-se os estudos histológicos, a sua fisiologia geral e específica (físico-química), incluindo a muscular, cardiovascular, respiratória, renal, neuro-hormonal e outras, atingindo níveis moleculares e iônicos. Investiga-se sua estrutura genética, o equilíbrio hidro-eletrolítico, ácido-básico, enfim, os seus níveis homeostáticos e, seu passado evolutivo.

        A necessidade de especialização vem conduzindo os ultra-especialistas a uma estrutura de conhecimento fragmentário que dificulta e distorce a percepção da realidade.
               Esta visão é, entretanto, compatível com o paradigma cartesiano-newtoniano, analítico, mecanicista e reducionista que norteou o desenvolvimento científico-tecnológico, inclusive a  evolução da medicina  e  da enfermagem até os nossos dias.
         A enfermagem, no Brasil, embora tenha surgido no contexto da saúde pública, teve o seu desenvolvimento no âmbito da medicina, adotando desde logo o seu paradigma.
                 Este consórcio permitiu, sem dúvida, o seu crescimento até determinado patamar, mas daí em diante, passou a constituir, até mesmo, um entrave, impedindo o crescimento da enfermagem e sua diferenciação como ramo autônomo do saber.
             Na verdade, o modelo médico se cristalizou consoante a visão mecanicista, cartesiano-newtoniana da realidade e, portanto  fragmentária  e parcializante.
        Como "divindade" tutelar a medicina, preferiu Panacéia a Higéia, centrando seus estudos nas especialidades médicas e na patologia, relegando a plano secundário os conhecimentos globais e a abordagem de  natureza profilática.     
             Esta perspectiva mecanicista, analítica, fragmentária, newtoniana-cartesiana e patológica, direcionou a medicina para os rumos das especializações e ultra-especializações, focalizada nos órgãos e na doença e, não no organismo e na saúde, centrada no trabalho pessoal e no paciente individual, voltada para a utilização de equipamentos, cada vez mais sofisticados, centrada na  medicalização e mercantilização, relegando a plano secundário os contextos social e  ambiental.
           Assim, os mesmos paradigmas que nortearam o avanço  científico e tecnológico e o progresso da medicina, durante vários séculos, tendo atingido o ápice do ramo ascendente de sua trajetória, chegando ao seu apogeu e, agora, entrou na fase de declínio, estando prestes a se exaurir, por isto, precisam ser reciclados ou substituídos. 
                 Em conseqüência de uma nova cosmovisão, imposta pela física moderna, expressa pela teoria da relatividade (Einstein), pela teoria quântica (Max Planck), pelo do princípio da incerteza (Heisenberger e outros), acrescida de uma visão orgânica da realidade, oriunda dos avanços da biologia e da ecologia, tornando-se necessários que sejam efetuados profundos reajustes da perspectiva cartesiano-newtoniana.
            O conhecimento médico e o modelo da medicina estão muito cristalizados e quase imunes ao processo de mudanças, mormente quando se necessita de uma verdadeira revolução no Setor de Saúde.
            
          O modelo biomédico vigente não serve mais, nem para a própria medicina, que busca incessantemente novos caminhos, novas alternativas, passíveis de reverter o quadro atual e retirá-la do impasse em que se encontra, pois desenvolveu uma prática  assistencial de saúde, considerada pela maioria dos estudiosos do tema, como iníqua, ultrapassada e, mesmo, perversa.
                 Se já obsoleto para a medicina, tal modelo não pode continuar balizando o roteiro da enfermagem, sobretudo nesta etapa de sua evolução.
                 Para se alçar à condição de ciência, a enfermagem precisa provocar uma ruptura com o paradigma newtoniano-cartesiano, buscar novos caminhos, inserindo-se na realidade do pensamento científico e das idéias sociais contemporâneas.
                 O “paradigma que propomos para a Enfermagem é expresso pela Teoria Sistêmico-Ecológica de Enfermagem”, desenvolvida a partir de 1967 e, constante de Tese de Livre Docência (Paim, 1974), designada então "Teoria Sistêmica de Enfermagem". 
                  Esta teoria, em sua versão atual, está alicerçada em estudos teóricos e, em práticas e experiências profissionais, vivenciadas durante mais de meio século, em atividades de ensino, pesquisa e extensão (assistencial), utilizando o próprio modelo dos sistemas auto-oganizadores e auto-reguladores, como o dos seres vivos e dos ecossistemas naturais, portanto, mediante uma abordagem de natureza orgânica, não mecanicista, tendo sua base filosófica no Pensamento Sistêmico Ecológico Cibernético (Sistemismo Ecológico Cibernético), um construto, também de nossa autoria, de natureza multirreferencial e holística, elaborado com base no Método Cientifico, na Física moderna, no Gestaltismo, no Sistemismo, na Cibernética, na Teoria de Informações, na Ecologia, na Fisiologia (Bioquímica e Biofísica), no Estruturalismo, no Funcionalismo, na Genética, na Teoria da Evolução, na Ciência da Administração, na Dialética, particularmente em uma Dialética dos Sistemas Vivos, além de fundamentado em outros ramos do saber, integrantes do pensamento científico contemporâneo, constituintes de uma nova cosmovisão que corresponde a aspectos de uma ruptura das fronteiras do conhecimento e interprete de uma linha de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, representando uma busca na direção da possível unidade da  ciência..
               
  Nesta nova visão (holística) do universo, da vida, do homem (sistema humano), do ambiente, da sociedade, da saúde e da enfermagem, em que se percebe a doença, apenas, como uma intercorrência ao longo do processo vida (existência) e a saúde como um estado de equilíbrio (homeostasia) da relação de trocas de matéria, energia e informações entre o sistema humano e o seu ecossistema, o enfermeiro exercerá, em toda a plenitude, sua prática social característica, desempenhando sua função e papeis profissionais no afã de “assistir” e "cuidar" do ser humano em sua integralidade e inserido em seu contexto ecológico, como se encontra estipulado nos Princípios das Ações Simultâneas e de Adequação do Ambiente, abrangendo todos os estágios do ciclo vital, incluindo o instante da morte, transcendendo-a para alcançar o período pós-morte imediato, expresso pelo Princípio da Extrapolação do Ciclo Vital.
              
   Estes princípios são integrantes da Teoria Sistêmico-Ecológica de Enfermagem, objeto desta publicação.

                 Para balizar a trajetória da enfermagem, na época  presente  e  nos dias futuros, faz-se necessária a adoção de um sistema referencial próprio, cuja focalização constitui o objetivo deste livro.